Ser Flamengo é ter alma de herói

"Há de chegar talvez o dia em que o Flamengo não precisará de jogadores, nem de técnico, nem de nada. Bastará a camisa, aberta no arco. E, diante do furor impotente do adversário, a camisa rubro-negra será uma bastilha inexpugnável."

Libertadores da América - 1981 - 1ª fase

FLAMENGO NA COPA
LIBERTADORES DA AMÉRICA - 1981 -  Primeira Fase


Na primeira fase da Libertadores, o grupo do Flamengo era o Atlético Mineiro e os paraguaios Cerro Portenho e Olímpia. A Raça Rubro-Negra se preparou, então, para fazer a primeira caravana internacional de uma torcida organizada do Brasil.

Por falta de experiência, procuramos uma agência de viagens para organizar a excursão. Iríamos fazer dois jogos em Assunção (Paraguai). A viagem foi de ônibus, que saiu à noite da estátua do Beline (Maracanã). Éramos 42 torcedores ao todo e fomos para Foz do Iguaçu, onde montamos acampamento. Só nos dias de jogo é que íamos para Assunção.

Foi a mais completa zona. Uma bagunça organizada, com direito a pequenos furtos das bugigangas "made in China" em Foz do Iguaçu. Além disso, a galera ia se divertir nos cassinos. A comida era farta e barata em uma churrascaria de Foz, onde vários colegas "esqueciam" de pagar a conta. Quando sobrava algum tempo, falávamos de futebol.

Brincadeiras à parte, o primeiro jogo contra o Cerro Portenho foi uma "teta". Metemos cinco neles. Mesmo com o jogo fácil, houve uma mini porrada entre nós e os torcedores paraguaios, que não queriam deixar a gente colocar a faixa da torcida. Quando a polícia chegou, sentou o cacete em todo mundo e depois pediu desculpas... O saudoso Gustavo Villela levou uma borrachada nas costas que o deixou marcado por muitos dias. Ele ficou puto:
- É coisa da ditadura... – trombeteava ele com voz de discurso – Esse Stroessner, esse general maluco e gagá, manda os milicos baterem e depois pedirem perdão... Filhos da puta!

O Cláudio tentava acalmá-lo:

- Gustavo, calma, a gente tá na terra deles...

- Calma o caralho... Vê minhas costas, olha o rombo...

De longe, eu morria de rir. Primeiro porque não me metia em briga. Este rostinho lindo que Deus me deu, nunca, em vinte anos de torcida, levou uma porrada sequer. Eu vou aos estádios ver meu time jogar, não brigar, pô! Quando a porrada começou eu corri, e corri muito, para bem longe, que não sou besta.

Ao me ver rindo, o Gustavo esbravejou:

- Tu tá rindo de quê, seu crioulo viado?... covarde! Tu correu???

- Eu não, eu tava junto de vocês... Acertei uns quatro – me defendi!

- Tu correu, filho da puta, cagão... covarde!

No início os caras ficaram putos comigo, depois relaxaram e levaram na sacanagem, pois sabiam que briga não era o meu forte. Depois do jogo voltamos novamente para Foz, onde estava nosso “quartel general”.

O segundo jogo foi contra o Olímpia. No dia do jogo novamente fomos de ônibus para Assunção. Empatamos de 1x1. Foi um jogo normal e sem “ pancadaria”, já que o Domingo Bosco tinha pedido segurança para a torcida. Tinha mais polícia perto da gente do que torcedor. Após a partida voltamos para Foz e, imediatamente, para o Rio de Janeiro, pois a decisão do Grupo seria em uma partida extra contra o Atlético Mineiro, em campo neutro (no Serra Dourada, em Goiânia), três dias após.

A maioria da galera que foi para Assunção não tinha condições de ir: ou por falta de dinheiro ou por causa do trabalho. O Cláudio e o Gustavo estavam em dúvida. Fiquei na merda. Sozinho. Aí encontrei o Bocão e dois amigos, que iam ver o jogo, de “ônibus”. Era a morte!!! Fazer o quê? Resolvi ir com os caras. Pegamos um ônibus até Brasília e de lá outro para Goiânia. Chegamos no dia do jogo, por volta das treze horas. Fomos direto para o estádio comprar ingressos, comer alguma coisa e dormir na grama, pois estávamos mortos. Para piorar, não tinha ônibus de volta para o Rio depois do jogo. O último saía à meia-noite para Brasília e não daria tempo pra pegar, pois o jogo começaria as nove e meia e poderia haver prorrogação. Fomos para o estádio já sabendo que, após o jogo, iríamos dormir na rodoviária e que o primeiro ônibus direto para o Rio só as três da tarde, do dia seguinte. Pensei em me matar...

No estádio, a maior confusão. Gente demais, se bem que 90% da torcida era nossa. Cinco minutos antes de a partida começar, quem eu vejo chegando? Cláudio, Gustavo e Guilherme. Se pudesse matava os três. Fizeram um charme danado, disseram que as chances de irem assistir ao jogo eram mínimas e outras frescuras, e chegaram alegres e sorridentes, de avião...

Quanto ao jogo, não houve... Com vinte minutos de partida, o meu amigo José Roberto Wright já tinha expulsado meio time deles, enquanto o resto sentou no chão. Pra mim foi ótimo porque, além de classificar o Flamengo para a próxima fase, deu tempo de sair correndo feito um alucinado à rodoviária e pegar o próximo ônibus para Brasília. De lá pegamos outro para o Rio. Viajar de ônibus Brasil adentro já era meio brabo, mas correr atrás de baldeação era o fim. Só pelo Flamengo mesmo. Só uma paixão anormal levava a gente a fazer isso. Se bem que, perto do que estava por vir, Goiânia-Brasília-Rio, de ônibus, era como Paris-Nova Iorque, de primeira classe.