Ser Flamengo é ter alma de herói

"Há de chegar talvez o dia em que o Flamengo não precisará de jogadores, nem de técnico, nem de nada. Bastará a camisa, aberta no arco. E, diante do furor impotente do adversário, a camisa rubro-negra será uma bastilha inexpugnável."

Copa de 90 - Itália

COPA DO MUNDO DE 90 - ITÁLIA


Antes da Copa da Itália, fiz uma excursão com a Seleção Brasileira que foi uma verdadeira vergonha. O Lazaroni levou vários jogadores inexperientes e tomamos porrada de times inexpressivos. Depois, veio a Copa América, no Brasil, que também começou mal. Até que o time se soltou, foi campeão e tinha uma base muito boa. Era a equipe para a Copa do Mundo, imaginei.

Depois fizemos outra excursão à Europa, já nos preparativos para a Copa da Itália. Ganhamos da Itália e da Holanda, na casa deles. Passamos a ser (como sempre) favoritos para o mundial, e o Lazaroni o "melhor técnico do mundo", tanto que assinou contrato com a Fiorentina, para comandá-la após a Copa.

As eliminatórias foram relativamente fáceis, exceto por aquela “lambança” que os chilenos fizeram no Maracanã, com uma simulação ordinária de agressão, tipo comédia pastelão. O time estava bem entrosado, e eu tinha certeza de que iríamos brigar com a Itália numa final. Afinal, a Copa era na casa deles e os nossos melhores jogadores estavam nos times de lá. Era pau a pau.

Em novembro de 1989, às vésperas de assumir o poder o ladrão do Collor de Mello, todos os amigos que encontrava me diziam que queriam ir no grupo da Raça à Copa. Pelas minhas contas, eram mais de cem. À Europa, todo mundo queria ir: preço relativamente barato e, principalmente, porque a Itália era a meca do futebol mundial.

Em janeiro de 90, Collor e sua gang assumiram o poder, com aquele pacote de fazer inveja a Mussolini: confisco de dinheiro, demissões em massa e o diabo a quatro. Deixou todo mundo fudido. Eu, particularmente, perdi os dois empregos, além de ver toda minha grana bloqueada. Fiquei durinho. Foi um deus-nos-acuda.

Já em fevereiro, a maioria da galera desistiu de ir à Copa. Alguns, como o Paizão Ernesto, o Munir Omram, o Hélio Moraes e o Mauro, não sei como, mantiveram os planos. Eu estava mais duro que um poste. Procurei o pessoal e joguei a toalha. Não dava mesmo, embora, no fundo, eu confiasse na força de São Judas Tadeu (ele também estava duro).

Uns quinze dias antes do mundial começar fui procurado pelo Sylvio Del Pyro, que me falou que ia com seu filho  o Rafinha e se prontificou a me ajudar no que eu precisasse, até com hospedagem na casa de parentes dele, em Cremona (Itália). Agradeci e fiquei com o contato telefônico, caso eu arranjasse grana para ir. O Munir e o Hélio bateram o pé. Só iriam se eu fosse. Expliquei que não tinha dinheiro nenhum e que, para ir, teria que vender algum imóvel (os preços estavam muito baixos). O Munir me ofereceu US$300,00 para as despesas iniciais. A coisa começava a clarear.

Cinco dias antes da abertura da Copa resolvi falar sério com São Judas Tadeu. Sabia que ele estava duro, mas, se quisesse, me daria uma força. Discussão pra cá, briga pra lá, e ele (São Judas) de saco cheio. Me deu uma luz: pediu para falar com o Antônio Carlos Cafuru, um político em campanha para eleição à Câmara dos Deputados. Não deu outra. O Cafuru me cedeu duas passagens Rio-Turim-Rio e 75 camisas do Brasil. Em troca, eu daria uma força na campanha política dele.

Imediatamente liguei para o Munir e disse:

- Amigão, consegui duas passagens e camisas para vender. Se tu me emprestar aqueles trezentinhos, eu vou.

- Tá na mão. Mas eu já tenho a passagem. Que que tu vai fazer com a outra?

- Arranjar alguém legal, que tenha alguns dólares na mão e queira me ajudar a montar a "boutique", lá em Turim. Vou ser camelô. Quem eu posso chamar?

- O Dudu (Eduardo Balassiano) - respondeu ele - O cara, além de legal, está com grana. Duzentos. Juntando você dois, dá US$500,00. Até vendermos as camisas, esse dinheiro tem que dar, né? Porra, Moraes, do jeito que você é safo, vai estar com uns dois mil dólares em uma semana!

- Deus te ouça, irmão. Deus te ouça.

O Paizão, o Mauro e o Sylvio já tinham ido para lá. O Robson e o Maradona embarcavam naquela noite. O grupo estava completo. Imediatamente liguei para o Sylvio, que me arranjou um "hotel" de dez pratas a diária. Era um quarto na casa de uma família italiana. "Cinco estrelas". No dia seguinte embarcamos eu, Munir, Hélio e o Dudu.

Chegamos a Turim e começamos a procurar nossa turma. O Paizão já tinha deixado recado para mim em todos os lugares possíveis. Não foi difícil localizá-lo. Estava hospedado em um hotel de luxo, no centro da cidade. Ali ficou sendo nosso QG, primeiro, porque dava para filar o café da manhã. Segundo, porque tinha televisão, onde poderíamos ver os outros jogos (no nosso quarto não tinha nem rádio). Não demorou muito, a notícia de que eu tinha chegado espalhou. Começou a festa.

E o Paizão continuava o mesmo...Toda hora lá estava o desgraçado com uma camareira nova. Às vezes queríamos usar o quarto dele para conversar, fazer uma reunião, banho, sei lá. Mas tínhamos que esperá-lo fazer o "serviço". Comeu todas (de novo).

No primeiro treino da Seleção, às vésperas da estréia, falei com os jogadores amigos, principalmente os do Flamengo, que estava "durango kid", e pedi ingressos para os jogos. Fui prontamente atendido. Em cada partida eu recebia umas quatorze entradas. Usava três e vendia o resto, para fazer caixa. Depois abria minha "boutique" para vender as camisas. Eu e o coitado do Dudu, após os treinos do Brasil, íamos para a cidade e abríamos o nosso negócio no meio da rua, até à meia-noite. Tinha dia que vendia bem. O diabo é que todos os brasileiros que foram à Itália assistir à Copa tiveram a mesma idéia. Nos dias dos jogos, era mais fácil vender. O que salvou mesmo foram os ingressos. Teve jogo em que vendemos a US$250,00 cada.

No futebol, as coisas não foram bem. Meu amigo Lazaroni, e é amigo mesmo – o que digo com o maior prazer, pela pessoa e pelo profissional –, inexplicavelmente, mudou toda a base da equipe campeã da Copa América. Entraram cinco novos jogadores. Estragou tudo... O time não acertou e a imprensa caiu de pau. O Lazaroni, por falta de retaguarda, bateu de frente com toda a mídia. O ambiente era horroroso. Empresários misturados com jogadores; a imprensa caindo de pau; ele, sozinho, para agüentar o tranco; o assessor de imprensa só vivia bêbado; insatisfação dos jogadores, bagunça na delegação. Um inferno. Enquanto o time ganhava, estava dando para levar.

Até que veio o jogo contra a Argentina. Por incrível que pareça, nossa melhor apresentação, ou a menos ruim. Dominamos o jogo todo, perdemos mais de trezentos gols, e eles, em uma única jogada, foram lá e pimba...Voltamos mais cedo para casa.

A raiva maior foi a campanha descarada que toda a mídia fez contra o Dunga. Impressionante o que este rapaz passou nos anos seguintes, principalmente pela "feliz" declaração do Lazaroni, quando definiu o estilo que o Brasil deveria jogar como a "nova era Dunga". Quem falasse no Dunga, em qualquer botequim, estava arriscado a levar um tiro. Eu conheço vários jornalistas, pessoas formadoras de opinião, que amaldiçoavam o Lazaroni por essa declaração. E olha que o Dunga foi, de longe, o menos ruim do Brasil naquela Copa.

O tempo veio corrigir essa injustiça. A vida dá muitas voltas...