Ser Flamengo é ter alma de herói

"Há de chegar talvez o dia em que o Flamengo não precisará de jogadores, nem de técnico, nem de nada. Bastará a camisa, aberta no arco. E, diante do furor impotente do adversário, a camisa rubro-negra será uma bastilha inexpugnável."

Copa de 78 - Argentina

COPA DO MUNDO DE 78 – ARGENTINA

Em 1978 fui sozinho à minha  terceira Copa do Mundo, na Argentina. Por sorte, eu era muito amigo do Chimbica, roupeiro da Seleção Brasileira, e, devido a isso, tinha garantido os ingressos para os jogos. O futebol brasileiro, naquela época, estava em alta, com uma geração de craques de primeira linha, e ainda contava com um técnico genial, o saudoso Cláudio Coutinho, que acabou com o marasmo, a mesmice que vinha imperando nas nossas equipes. É que, ainda embalados com a conquista do Tri, no México, nós simplesmente paramos no tempo, com todos os times jogando igual. Todo time tinha um ponta esquerda recuado, o famoso "punhetinha". O cara corria o campo todo, era quem mais pegava na bola, e no fim do jogo...Não tinha jogado.

O Coutinho, quando assumiu, levantou o moral da Seleção, o time jogava para a frente, o astral melhorou muito e fomos para a Copa como um dos favoritos, juntamente com os donos da casa. A Argentina, além de ter um timaço, tinha que ganhar a Copa por determinação dos milicos da ditadura, que mandavam por lá na época. O título seria um bom instrumento de propaganda para eles.


Aliás, esta história do esporte ser usado como propaganda merece um parêntesis. Hitler tentou usar as Olimpíadas para provar a superioridade do povo alemão e deu no que deu –um crioulo americano ganhou todo o ouro que podia, nas barbas ou no bigode do ditador. O outro fascista da época, Mussolini, viu a Itália ser bicampeã do mundo, e acabou pendurado num poste, que nem Judas em sábado de Aleluia.

Na primeira fase fomos jogar em Mar del Plata, em um estádio inaugurado na véspera da competição. O gramado, plantado às pressas, aparentemente parecia em boas condições. Foi só chover pra ficar impraticável. Era inverno na Argentina, um frio de lascar e chuva o dia todo. A primeira partida foi contra a Suécia. Não teve jogo porque o gramado não deixou. Saíam placas de grama quando os jogadores corriam. Ninguém jogou bem, especialmente nossos melhores craques: Zico e Reinaldo. Pior que eles, só o juiz, que anulou um gol do Galo no último minuto, alegando que já tinha terminado a partida. Ficamos no empate de 1 a 1.

Depois do "fracasso" na estréia, o filme se repetiu. Quando o Brasil ganha, é o melhor do mundo; quando perde ou empata, é uma bosta. Parte da imprensa, pessimista, e em alguns casos, burra, de um bairrismo idiota, caiu de pau na Seleção. O Coutinho, de gênio, passou a ser uma besta. A pressão ficou insuportável.

O Coutinho, por falta de experiência e por pressões da CBF, começou a alterar o time. Para vocês terem uma idéia, ele barrou o Zico e o Rivelino. Mesmo assim, nos classificamos e fomos jogar, na segunda fase, justamente contra a Argentina, em Rosário. Aquela partida decidiu a Copa de 78. Empatamos em zero, num jogo em que fomos melhores o tempo todo. Eu nunca imaginei que a Argentina jogasse se defendendo, dentro da própria casa, até porque seu time era igual – e às vezes, superior – ao nosso. Passarela, Ardiles, Mario Kempes... Um timaço. E o técnico deles, Menotti, não convocou um garoto chamado Maradona, alegando que o moleque era muito jovem... (vi esse filme no Brasil na Copa de 74, lembram? Nosso técnico não levou o Zico... deixa pra lá...)

Como estava no mesmo hotel da delegação, sabia de alguns fatos de que a grande imprensa não tinha conhecimento. Um, que me fez ter certeza da vitória, foi quando soube que o Coutinho tinha decidido entrar com dois cabeças de área para segurar o ímpeto inicial da Argentina, e colocar o  Zico e o  Rivelino para jogarem no segundo tempo. Era pra matar os gringos. Para nosso azar, o Rodrigues Neto se machucou e o Edinho foi obrigado a entrar na lateral esquerda, furando todo o esquema traçado. Só entrou o Zico, que fez um partidaço, colocando o Roberto Dinamite por duas vezes na cara do goleiro. Se ganhássemos aquele jogo seríamos campeões.

Por falar em Edinho. Esse cara foi um dos  melhores zagueiros que vi jogar. Até hoje não entendi como esse jogador foi reserva em duas Copas do Mundo. Além de craque, um líder nato. Uma espécie de Dunga da época.

 

 

De qualquer maneira, apesar do empate, ainda tínhamos esperanças de ir para a final, pois pegaríamos a Polônia, enquanto a Argentina enfrentaria o Peru, que vinha jogando bem. A vaga seria decidida no saldo de gols. Fomos jogar em Mendoza, que é, na minha opinião, a terceira cidade mais linda do mundo. Ela só perde para o Rio e para Barcelona. A cidade é fantástica, no pé das Cordilheiras dos Andes, um frio de lascar. Lindíssima.
Fomos jogar contra a Polônia com a obrigação de fazer o maior número possível de gols. Metemos três com muito rebolado. Se jogássemos o tempo todo, teria sido de nove. Saí do estádio tranqüilo com o saldo de gols favorável, achando que a Argentina nunca faria seis gols no Peru. Peguei o trem em Mendoza com destino a Buenos Aires para ver a final, já pensando no adversário do Brasil. Ao meu lado, diversos brasileiros, com os ouvidos grudados no rádio, ouviam o jogo deles.

O que se seguiu todo mundo sabe: a maior armação, com os peruanos abrindo as pernas para os argentinos. Placar final: 6 x 0, Argentina na final. A decepção foi muito grande. Ainda assisti à disputa de terceiro e quarto lugares, que ganhamos da Itália por 2x0. Depois, vendi meu ingresso da final e vim embora, tamanha era a frustração.