Ser Flamengo é ter alma de herói

"Há de chegar talvez o dia em que o Flamengo não precisará de jogadores, nem de técnico, nem de nada. Bastará a camisa, aberta no arco. E, diante do furor impotente do adversário, a camisa rubro-negra será uma bastilha inexpugnável."

Seleção em Wembley

SELEÇÃO BRASILEIRA EM WEMBLEY INGLATERRA

No início de 1982 fizemos uma viagem interessante à Inglaterra, para ver o amistoso da Seleção Brasileira em Wembley. O Brasil tinha um timaço, comandado pelo Telê Santana, se preparando para a Copa do Mundo da Espanha. Jogavam Falcão, Sócrates, Cerezo, Júnior, Leandro, Reinaldo e o Zico. Só fera; um verdadeiro "dream-team". Dava gosto ver essa turma jogar, e os europeus estavam babando e respeitando a equipe. Era a melhor Seleção do mundo.

Uma semana antes do jogo o Zé Carlos me liga às dez da noite (portanto, alta madrugada pra mim) e fala:

- Neguinho, tô com uma vontade do cão de ver esse jogo da Seleção em Wembley. Que qui tu acha?

Eu, acordando do terceiro sono, respondi:

- Primeiro, vai acordar a tua mãe a essa hora da "madrugada". Segundo, vontade é coisa que dá e passa. Vai dormir, ok!? - e bati o telefone na cara dele.

O desgraçado nem piscou o olho e ligou de novo:

- Ô, mal-educado, não se bate o telefone na cara do melhor amigo. Além da falta de educação, estás se esquecendo que é por uma causa nobre. Vai me dizer que tu não tem vontade de ir ao jogo? É Wembley, bicho... Lá eles só jogam seis vezes num ano.

Nem me passava pela cabeça ir à Europa, assistir a uma partida amistosa da Seleção. Se fosse o Flamengo, tudo bem. Mas o Zé tanto me pentelhou, que eu disse:

- Tá bom, mala, quanto vai custar essa brincadeira?

- Merreca - respondeu ele. - Uma passagem e duas diárias de hotel. Para você, isso não é nada...

Ainda ponderei que era um ano em que iríamos gastar muito dinheiro com o Flamengo e a Copa do Mundo, mas nada. Ele bateu o pé que queria ver o Zico jogar em Wembley, que o Galo poderia marcar seu 500º gol, e que ele ia nem que fosse sozinho etc.etc. Vi que não adiantava argumentar e entreguei os pontos.

- Ok, mas tu prepara tudo. Reservas de avião, hotel, tudo. E os ingressos? Como é que vamos arranjar os ingressos, maluco?

- Deixa comigo. Já está tudo armado. Acabei de ligar para um amigo meu, que mora em Monte Carlo. Ele está com três tickets e não vai à partida. Problema de doença da mulher dele sei lá.

- Ok, Zé, vamos nessa! O jogo é domingo, né? Vamos sair na sexta-feira, tá bom?

- Tudo bem, amanhã te falo - e desligou. Finalmente, pude dormir.

Nessa época nós tínhamos conta numa agência de viagem e éramos considerados clientes "vips", pelo volume de negócios que fazíamos. Era só ligar e o bilhete vinha na mão. Tudo pronto e combinado fui para o Galeão, tranqüilo e satisfeito. Não posso negar que eu gostei da idéia: ver o Galo jogar já é um prazer, principalmente em Wembley, um dos templos sagrados do futebol mundial. Cheguei lá e encontrei o Zé Carlos com a camisa do Flamengo e uma bandeira do Brasil nas costas. Estranhei a cena.

- Ué, mudou é? Para que a bandeira do Brasil ?

- É para evitar porrada de gringo. Sei lá se algum cara bebum não reconhece a camisa do Flamengo e me confunde com um italiano torcedor do Milan. E tem também um time inglês que é rubro-negro. Até descobrirem que sou brasileiro já levei umas porradas.

Gostei da idéia e fui correndo a uma das lojas do Galeão e também comprei uma bandeira do Brasil. Já devidamente "credenciado", peguei o meu bilhete de viagem e quase caí sentado: Rio-Milão-Monte Carlo-Londres-Rio.

- Tu tá maluco, infeliz! Não dava para fazer uma viagem direta não? O que vamos fazer em Monte Carlo?

- Pegar os ingressos, porra, mas dá tempo de chegar em Londres ao meio-dia. O jogo é às cinco...

Embarquei bufando de raiva, mas logo após relaxei, e começamos a conversar sobre a partida. O medo era ficar no meio do povão e levar uns catiripapos. A fama dos holligans era de bater até na própria mãe. Mas a possibilidade de ver o Zico jogar valia qualquer sacrifício.

Depois de dar a volta ao mundo dentro de aviões, chegamos a Londres por volta de meio- dia de sábado. Procuramos um hotel, onde deixamos nossas bagagens, e fomos comer alguma coisa. Tudo na maior calma porque, na Europa, torcedor chega ao estádio cinco minutos antes do jogo começar - com o lugar marcado e reservado. Partimos para o estádio e, como sempre, encontramos uma turma de brasileiros que moravam por lá, tocando aquele famoso "samba de paulista". Era um tal de "Mamãe eu quero... mamãe eu quero... mamãe eu quero mamar..." Insuportável. Mas, enfim, era companhia.

Escolhemos um dos sambeiros e demos o ingresso que estava sobrando. Entramos naquele majestoso estádio e procuramos nossos lugares. Sentamos bem no meio da torcida inglesa, nos sentindo dois flamenguistas no meio da torcida botafoguense, em dia de decisão (se o Botafogo chegasse a decisões...). E o medo...? Ó... Não passava nem “turbina de avião”. Um medo cão. Sentamos e não aconteceu nada de anormal, muito pelo contrário. Os holligans nos trataram super bem. Tivemos que ficar falando de futebol brasileiro o tempo todo, dos melhores jogadores, das "mulatas" e do carnaval, enfim, tivemos tratamento "vip". Até mesmo na hora da execução do Hino Nacional, em que o estádio gritava e vaiava.

Quando a bola rolou naquele tapete, metemos um chocolate neles. É difícil um time de craques, como o nosso, não jogar bem num gramado tão bom. Demos uma exibição de gala. A certa altura, o Reinaldo perdeu um gol feito, desses que até o Renato Gaúcho faz. Tinha certeza que venceríamos. E vencemos, de 1 a 0, gol do Galo, só para aumentar a alegria. Foi a primeira derrota da seleção inglesa em Wembley.

Entre a torcida da Inglaterra, de vez em quando, rolava uma pancadaria. Os caras estavam completamente bêbados. Nós pensávamos que, depois da nossa vitória, fossem sobrar alguns sopapos pra gente. Que nada. Alguns torcedores ainda nos protegiam da encrenca entre eles. Foi uma experiência fantástica. Aliás, nas nossas andanças pelo mundo, passei a entender que o futebol é o grande pacificador. Quando não existe a rivalidade regional, que gera a violência, o futebol é o grande denominador comum, que fala e entende qualquer língua. As camisas do Flamengo e da Seleção Brasileira sempre foram um passaporte que nos tirou de qualquer rolo; nos garantiu lugar em vários vôos e ônibus, e até em caminhões. Já conversei com árabe, inglês, russo, alemão, argentino: sempre usando a mesma língua, a língua de Zico, Pelé, Maradona, Gol!!!

No mundo todo, sempre encontrei um sorriso para me receber, sempre achei alguém que simpatizasse com este louco que saía do Rio só para assistir um jogo de futebol. Só para ver o Flamengo jogar. O Zico jogar.