Ser Flamengo é ter alma de herói

"Há de chegar talvez o dia em que o Flamengo não precisará de jogadores, nem de técnico, nem de nada. Bastará a camisa, aberta no arco. E, diante do furor impotente do adversário, a camisa rubro-negra será uma bastilha inexpugnável."

Flamengo em Bagdá

FLAMENGO EM BAGDÁ

O Zico voltou para o Flamengo. O maior jogador do mundo voltava para a casa dele, de onde nunca deveria ter saído. Lembro-me que, em conversa com o Zé, começamos a fazer planos do que iríamos vender para poder acompanhar o time. Com a volta do Zico voltariam as viagens pelo mundo.

Ele jogou pouco tempo. Um desgraçado chamado Márcio quebrou o joelho dele, dando início a um drama que durou dois anos. A vingança demorou, mas veio da maneira mais correta possível. O cabeça de bagre sofreu exatamente o mesmo problema no joelho, e nunca mais jogou. Frustração. A torcida agora era pela recuperação do Galo.

Após duzentas operações o Zico se recuperou, sabe Deus como. Nesse intervalo, os medíocres dirigentes faziam campanha para que ele parasse de jogar e virasse cartola do clube. Teve um, então, que chegou a pedir aos jornalistas que cobriam o Flamengo para plantar essa idéia. Felizmente, a imprensa preferia o Zico em campo, e não caíram nessa esparrela.

Tanto fizeram para prejudicar o Galo, que acabaram marcando a reestréia dele num Fla x Flu, em Niterói, no Caio Martins, às dez da manhã. Se eu não tivesse tido uma boa educação, ou se tivesse instinto de marginal, teria mandado matar toda a diretoria do Flamengo, na época. Era uma falta de respeito com o maior ídolo do clube. Um amigo meu chegou a ouvir uma conversa entre os abutres, quando um disse:

- Agora é que vamos ver se o Zico está mesmo bom, jogando naquele campo
cheio de buraco... - e caíram na gargalhada.

Esse seria o primeiro no "paredon". Se estivesse lá, quebrava-lhe todos os dentes.

O Sócrates também estava no time, que contava ainda com o Leandro, Mozer, Andrade, Jorginho, Bebeto, um timaço. Acendeu a esperança de sermos novamente campeões do mundo.

O time foi fazer um jogo em Firenze (Itália), contra a Fiorentina, para pagar o passe do Sócrates, e outro em Bagdá, Iraque, contra a seleção local. O técnico do Iraque era o Edu, irmão do Zico. Sem a companhia do Zé Carlos, que estava doente ou duro, não lembro, resolvi ir sozinho.

Comprei uma passagem Rio-Roma-Bagdá-Rio e fui pedir o visto de entrada para o Iraque. Foi um custo consegui-lo. Só saiu depois que o Helal interveio, mandando um telegrama para eles. Embarquei para Roma e de lá peguei um trem para Firenze. Depois de muito tempo, novamente viajava sozinho para ver um jogo no exterior. Em Firenze fiquei no hotel em que estava hospedado o Flamengo. O supervisor da equipe era o Professor Luiz Henrique e o técnico, o Lazaroni, dois grandes amigos. Como estava só, me integrei ao grupo, claro que pagando minhas despesas.

Perdemos o jogo feio. Levamos um chocolate de 5 a 3. No primeiro tempo eles fizeram 3 a 0, fácil... Preocupado com a viagem ao Iraque, por causa da ditadura de lá, comandada pelo meu “amigo” Saddam Hussein, cometi outro grande erro. Fui ao Helal e disse:

- Helal, eu não falo nada de árabe. Em Bagdá você faria a gentileza de arranjar um hotel para mim? Pode ser o do Flamengo mesmo.

- Moraes, o Flamengo vai ficar num hotel do governo que está à nossa disposição. Você pode ficar com a gente.

- Pô, Helal, esse negócio de ficar de graça já me deu muito aborrecimento. Eu prefiro pagar... Não é a minha praia!

- Olha, o Governo deles fechou o hotel. É exclusivo para o Flamengo, por questões de segurança. Não tem como você pagar. Se quiser, é nosso convidado.

Cabreiro, aceitei. Afinal, não era dinheiro do Flamengo mesmo e não tinha outro jeito. Por aquelas bandas, o terrorismo comia solto. Para embarcar para o Oriente Médio as malas de viagem ficavam no meio da pista do aeroporto. Cada passageiro tinha que identificar a sua, que era revistada na porta da aeronave. Embarcamos e voamos para o Iraque. Chegando em Bagdá fomos recebidos pelo Edu e pela minha querida Tia Matilde, mãe dele.

Quase não saíamos do hotel. Um calor de lascar e um vento constante muito forte. Forte também foi a atuação do Flamengo, que deu um chocolate na seleção deles. Ganhamos de 2 a 0.

Voltamos no dia seguinte, via Roma. Vida que segue sem problemas, até que o Flamengo voltou ao Maracanã. Quando cheguei ao estádio já encontrei o buchicho. Estava todo mundo comentando que o Flamengo tinha me dado a maior mordomia na Europa e no Iraque. Que eu não tinha pago nada, que fui de graça e o escambau. Havia gente excitada e alegre com o "fato" de que o Flamengo teria me dado mole. O Branco, então chefe da Raça, só estava esperando eu chegar para esclarecer a coisa.

Fiquei louco quando soube da história. É que o George Helal disse a uma senhora, chamada Teresa Botelho (a famosa corneteira da Gávea), que havia me dado hospedagem em Bagdá. A mocréia resolveu espalhar o boato. A raiz do problema é que, na administração do Helal, vários chefes de torcida passavam o dia na Gávea. Não trabalhavam e eram verdadeiros profissionais organizados, dando expediente e vivendo às custas do clube. Eu era radicalmente contra isso, e não escondia de ninguém minha posição. Portanto, eu era uma pedra na chuteira daqueles babacas.

É a grande bronca que eu tenho do Helal. Porra! Foi uma viagem cara pra cacete, por volta de cinco mil dólares, e o cara vir falar que eu tinha ido de graça! Parece que ele confundiu as coisas. Quem estava de graça eram a mulher e a filha dele, que lá estavam, pouco interessadas nos jogos.