Despedida de Zico Pela Seleção
Despedida do Zico em jogos da Seleção Brasileira. O jogo foi realizado em Udine, entre uma seleção formada por jogadores brasileiros que atuavam nos times europeus, e uma seleção do resto do mundo.
Mandei fazer um troféu de acrílico muito bonito, com a marca da Raça Rubro-Negra, e comecei a procurar um otário, que quisesse ir comigo para dividir as despesas (o Zé Carlos já estava morando nos EUA, a essa altura). Encontrei o Isaac Balassiano, um garotão legal, mas... judeu... Já viu, né?! Tirar dinheiro do cidadão só com escopeta na cara. Ele só tinha US$ 500,00. Para não ir só, "emprestei" a grana da passagem (até hoje não vi a cor).
Ainda no Brasil consegui falar com o Zico e disse que estava indo meio duro (pra variar). Perguntei se ele poderia autografar quarenta camisas, que eu levaria para Udine. Com o autógrafo dele, o preço dobraria. Ele se colocou à minha disposição para qualquer coisa que precisasse, e inclusive me ofereceu hospedagem no hotel em que ficariam os jogadores. Agradeci a oferta, mas recusei (com uma vontade louca de aceitar...).
Comprei duas passagens Rio-Milão-Rio, com um cheque para dez dias, confiando na venda das camisas. Sempre deu certo, e não seria dessa vez que iria dar zebra. Fizemos as mochilas e partimos para o aeroporto. Lá, através do Sebastião Lazaroni, conheci o Dr. Sylvio Del Pyro e seu filho, Rafael, que iriam representar o Flamengo na festa. O Sylvio era Procurador da República aposentado e advogado. No trabalho, uma pessoa séria; fora dele, um garotão com uma cabeça de 15 anos: um grande gozador. Ficamos grandes amigos.
Fomos de VARIG até Milão e, de lá, pegaríamos pela milésima vez o trem até Udine. Antes do embarque, enquanto o Isaac tinha ido ao banheiro, eu falei para o Sylvio:
- Sylvio, o Isaac nunca andou de avião. Vamos preparar uma sacanagem pra ele?!
- Vamos, mas o que você sugere? - respondeu em tom de conspiração.
- Seguinte: vamos pedir as poltronas duplas perto das janelas. Eu sento com o Rafinha, na frente, e você com ele, atrás. Aí, você ensina a ele como mexer nos botões da poltrona do avião. O botão que chama os comissários, você diz que é para abrir a janela...
E o Sylvio:
- Porra, Moraes, mas logo abrir a janela!!! Ele vai sacar.
- Vai nada. É garoto, e nunca viajou de avião. Para ele é igual a ônibus, e eu já disse que as vezes faz um calor desgraçado, quando o ar condicionado está com defeito. Vai por mim; quando eu der o sinal, faz a tua parte, ok?
- Ok, chefe, você é que manda.
O Isaac voltou do banheiro e mudamos de assunto. Embarcamos e, enquanto o avião esquentava as turbinas, dei o sinal para o Sylvio. E ele começou a cena, falando bem alto:
- Porra, Moraes, esse avião é uma merda. Um calor desgraçado. Isaac, abre a janela...
E o Isaac começou a mexer na bichinha, tentando abri-la. E mexe daqui, mexe de lá, e nada... Ele, meio sem graça, pergunta:
- Como é que abre, seu Sylvio?!
Aí, o sacana do Sylvio deslanchou e deu-lhe um esporro:
- Pô, garoto, nem abrir a janela você sabe! Empurra e, se estiver emperrada, aperta o botão do lado - apontando para o botão de chamar o comissário.
O Isaac empurrou a janela e, como ela não abria, apertou o botão: dim...dom..., dim... dom..., e continuava a apertar, ficando nervoso.
Eu e o Sylvio já merecíamos um Oscar e continuávamos a dar esporro:
- Seu pobre, não sabe nem abrir uma janela. Roceiro...Vai cortar cana, veado...
E o Isaac, agoniado, continuava dim...dom...,dim...dom...Veio o comissário e o Sylvio se adiantou:
- Este garoto está chamando para vocês ajudarem a abrir a janela. Por favor, não ajudem não. Ele tem que aprender...
O comissário entendeu a brincadeira e também entrou na onda. E era esporro de todo lado, até não agüentarmos mais e cairmos na gargalhada geral. Somente aí, ele entendeu a brincadeira. O coitado sofre até hoje com essa história.
No caminho para Udine mostrei o troféu que iríamos entregar ao Galo, em nome da Raça. O Sylvio, todo constrangido, me mostrou o "galhardete" que o Flamengo tinha mandado. Na realidade, nem era galhardete: era uma flâmula, daquelas compradas numa feira de terceira categoria. Quando vi aquilo eu falei:
- Ah, meu irmão, tu não vai entregar isso aí para o Galo não. Não me leve a mal, mas essa coisa só serve pra tu dar para a mãe de quem mandou.
O Sylvio concordou, de prima. Na realidade, nem ele sabia o que o Flamengo tinha mandado. Somente ali viu aquela coisa. Aí, puto, falou:
- São uns filhos da puta, né? Eles estão na maior bronca porque o Zico não convidou ninguém da diretoria. E como não tem passagem de graça, nem hotel... Não sei como eles souberam que eu vinha e me mandaram essa porra. E agora, o que é que eu faço?
Ficamos pensando e trocando idéias, até que surgiu uma: a de pegar uma das minhas camisas do Flamengo e pedir para todos os jogadores autografarem, com uma dedicatória para o Galo. Ficou acertado que faríamos isso no almoço do dia do jogo, quando todo mundo já deveria estar lá.
Chegamos a Udine e fomos procurar hotel. O Sylvio, mais rico, ficou junto com a delegação. Nós, num mais modesto. Na manhã seguinte, bem cedo, fomos para o hotel oficial, com a intenção de encontrar o Zico para ele autografar as camisas. Queríamos abrir a "boutique" de vendas cedo. O Galo já estava acordado, pois iria tomar café com o dono da televisão local, o Roberto Marinho de lá. Enquanto assinava as camisas, ouvi o cidadão perguntar a ele se as camisas eram para vender. Ele, fazendo charme, transmitiu a pergunta.
-Claro que sim - respondi. E o magnata:
- Quanto?
- Setenta dólares cada uma.
O cara pagou cem dólares por cada uma. Levou todas. Foi uma festa. Separei a grana para cobrir os "borrachudos" que tinha dado no Brasil e torrei o resto. A festa de despedida do Zico foi fantástica! A cidade em peso compareceu. Era contagiante a emoção que dava quando os "udinenses" falavam do Zico. O Bruno, filho dele, entregou o troféu em nome da Raça; o Rafinha a camisa, em nome do Flamengo.
No dia seguinte retornamos ao Brasil (o Sylvio e o Rafinha ficaram na Europa). Nossa volta foi dolorosa porque meu joelho era bichado – já tinha operado duas vezes – e não parava de doer. Ainda em Udine, o médico da Seleção me examinou e disse que talvez fosse necessária uma nova operação. Que azar o meu. Cheguei ao Rio indo direto para uma clínica particular, pra entrar na faca. Lá se foi toda a grana que tinha separado em Udine para as passagens.
O botafoguense, dono da agência, não teve pena. Mandou "pau" no meu borrachudo. Fui parar em uma delegacia de polícia, como estelionatário. Só não toquei piano porque o Delegado flamenguista roxo sabia que eu não tinha agido de ma fé. Paguei a dívida e o processo foi arquivado. Pelo Flamengo e pelo Galo, eu faria tudo de novo.